Era final de expediente e ela já se sentia cansada e até lamentava por estar atendendo às pessoas do outro setor, afinal, tinha tanta coisa por fazer, tantas metas para atingir.
E chamou um, e outro, e outro mais... Era sempre alguma coisa muito rápida e sem tanto ‘valor’ para a organização.
Apertou o botão e ficou esperando o próximo.
Lá vinha ele, não era uma pessoa ‘normal’, ao certo era uma deficiência de nascença, mas que ela não sabia o nome. Os membros superiores e inferiores eram atrofiados. O corpo também. Era muito magro, tinha a face pequena que destacava sua cabeça.
Também andava diferente, parecia até engraçado.
Com certeza a maioria das pessoas que estava ali olhava para ele e pensava: mais um sustentado por nós.
Olhou para o rosto dele, andando com seu jeito peculiar, e se surpreendeu com um sorriso indescritível. Os olhos brilhavam e ele parecia, mesmo tendo esperado quase duas horas na fila, tão feliz! Isso a deixou curiosa, reflexiva. Ela sorriu para ele e o recebeu alegremente. Aquele sorriso havia salvado o seu dia, revigorado suas energias e a feito lembrar do valor da vida.
O saudou com uma boa tarde e perguntou qual era o seu problema:
- Vim apenas saber porque meu cheque especial não fora renovado.
- Então vamos dá uma olhada nisso! - disse ela sorrindo.
Olhou o seu cadastro e verificou que era uma conta universitária.
- Sua conta é universitária. Você ainda está cursando?
- Sim, estou iniciando o doutorado. Essa última bolsa creditada na conta ainda foi a do mestrado, mas o próximo mês já será a do doutorado.
Ela se surpreendeu [seus olhos se encheram de lágrimas] e olhou para aquele rosto que ainda sustentava um sorriso encantador e disse:
- Poxa! Meus Parabéns! Qual a área do seu doutorado?
- Engenharia elétrica. Resolvi que vou seguir a carreia acadêmica.
- Que maravilha! Também tive planos de seguir a carreira acadêmica, mas acabei seguindo outros caminhos, embora isso ainda não tenha saído dos meus planos.
- Ahh, não desista! Você consegue!
Ela não podia dar nenhuma desculpa. Se ele, com todas as suas limitações, conseguiu, ela também conseguiria.
- Pronto! Limite renovado!
- Muito obrigado! Só mais uma coisinha, eu gostaria de financiar um carro, seria possível fazê-lo aqui pelo banco?
- Traga a sua declaração de rendimentos. Mesmo sendo temporário, posso tentar fazer com o tempo de duração do seu doutorado. Farei o possível!
- Trarei sim! Muito obrigado e tenha um bom final de semana!
- Para você também. Tchau!
Ela pensou: aquele homem franzino e visto como ‘deficiente’ ou ‘anormal’ contribuía infinitamente mais para o desenvolvimento da sociedade que muitos ‘normais’ - que gastam seu tempo com inutilidades ou praticando o mal.
Ponto para os ‘anormais’! Pensava ela em sua mesa.
E ela jamais esqueceria aquele rapaz, aquele sorriso...
Saiu do trabalho revigorada, crente na vida e no poder que habita em cada ser humano. Envergonhada por suas lamentações inúteis e, feliz, muito feliz.
Em casa, foi contar toda a história à sua família. Ela sustentava o sorriso do rapaz agora. Mas ninguém poderia imaginar o que sentiu. Foi uma experiência dela, única, em um momento que ela estava aberta a entender o significado que havia além do aparente, das pequenas coisas do cotidiano. Foi mais um momento mágico de desenvolvimento. E ela foi dormir sorrindo...